sábado, 24 de novembro de 2007

MÁRIO LÚCIO SOUSA - “SÓ O TALENTO É CAPAZ DE ADMIRAR O TALENTO”

MÁRIO LÚCIO SOUSA - “SÓ O TALENTO É CAPAZ DE ADMIRAR O TALENTO”

"Daí que quando já não se o tem, despreza-se também o talento", assim é que é a frase completa pronunciada pelo músico Mário Lúcio, na nossa longa conversa tida nas vésperas do lançamento do seu terceiro CD a solo " Badyo". O multi-talento e multi-instrumentista aproveitou para apresentar a nova obra e falar das críticas que lhe foram dirigidas por alguns músicos a respeito do montante que envolveu a actuação da sua orquestra na noite de 5 de Julho de 2005

Expr.d.i. - Como surgiu o projecto da gravação deste teu novo álbum?

Mário Lúcio - O projecto foi concebido de há dois anos para cá. Eu tinha um caderno de músicas já prontas e podia fazer dois discos: " Badyo" ou outro disco. Em concertação com a produtora decidimos que devia ser " Badyo". E aí arrumei as músicas para o "Badyo", porque no " Badyo" está implícito o percurso da música de Cabo Verde: como é que veio a música que temos, de onde veio, para onde foi e, quando regressou, o que é que trouxe? Esse percurso é semelhante à rota da escravatura, porque a nossa música está muito ligada à rota da escravatura. São esses badios, portanto os primeiros negros, de que no disco eu trato de seguir as primeiras pisadas. É evidente que, quando eu comecei a sentir o disco, agradeci a todos os meus antecessores, músicos e compositores, porque foi preciso uma aprendizagem muito ampla do nosso próprio país para conseguir fazer um trabalho deste tipo. Posso dizer que desde os meus 10 anos que venho preparando, sem saber, este disco, aprendendo as várias técnicas de execução não só do canto, mas também dos instrumentos tradicionais, por exemplo, a Cimboa. Acho que é um CD que todos os cabo-verdianos deviam ter, sem pretensão nenhuma. Não só para ouvir, mas também como documento. O livrete que vem dentro, que tem 16 páginas, traz toda a informação sobre o que é a Cimboa, a origem dos instrumentos, a origem dos géneros musicais, dos ritmos musicais, a origem das nossas influências tanto afro ( Mandinga, Woolof, Bantu) como também de origem europeia. Eram-me desconhecidas e encetei uma pesquisa para chegar a estes resultados e quero partilhar esses resultados com todos. Portanto para que, quando nos perguntarem, saibamos dar uma resposta relativamente científica, porque são dados históricos que eu reproduzo no livrete.

Expr.d.i. - O simples inventário dos instrumentos utilizados aponta para o disco que vamos ter em Dezembro?
ML - Fiz uma viajem a vários países africanos para sentir a pulsação, para ter o contacto com os deuses da terra e tomei algumas decisões no continente africano, nomeadamente no Mali. Tomei a decisão de que iria utilizar três blocos de instrumentos. O primeiro bloco seria os chamados instrumentos domésticos, portanto instrumentos que estão ligados ao percurso do badio. Não só ao percurso do hoje chamado badio, mas do percurso dos primeiros negros apelidados aqui de vadios. Utilizei como instrumento de percussão neste disco a surradeira, selha de lavar roupa, enxada, balaio com milho, garrafas de vidro, tigelas, cabaças, frigideiras, etc. Enfim, vários instrumentos domésticos exactamente para substituir a percussão convencional. O músico Stéphane Perruchet percebeu a minha ideia e executou-a perfeitamente. Depois utilizei um outro tipo de instrumentos que são instrumentos chamados clássicos: guitarra, cavaquinho, piano e contrabaixo. Utilizei também o bandonéon argentino, o acordeão, a gaita, o ferrinho e o balafón, para além das cordas tradicionais. Decidi não utilizar instrumentos de cordas como o violino ou o violoncelo, mas substitui-los por Cimboa, uma nova que me foi oferecida pelo IIPC, porque a que eu tinha já estava toda partida.
" Utilizei a Cimboa na máxima dimensão possível"
" Utilizei a Cimboa na máxima dimensão possível". Não só como instrumento de arco, mas explorando todas as possibilidades dos harmónicos, dos agudos, da pressão das cordas e também utilizando-a como instrumento de percussão, para abrir a possibilidade da nova geração se interessar pelo instrumento. A Cimboa não é um instrumento limitado, como à primeira vista parece, mas é um instrumento com uma vasta gama de possibilidades. É um instrumento muito cavernoso, emite um som muito humano: tem pele, tem cabaça, tem cordas de crina de cavalo, tem acácia; então é muito parecido connosco. Uma decisão que tomei no continente africano foi não utilizar instrumentos de sopro. Por desafio eu quis substituir todos os instrumentos de sopro por conjunção de vozes e assobios para que a sonoridade geral fosse mais orgânica. Chamei vários músicos cabo-verdianos para participar e músicos estrangeiros que estão na ficha técnica.

Expr.d.i. - Vejo que grafas o título do teu novo CD " Badyo" com y. Há algum significado especial?
ML - Costumo sempre jogar na semiótica e quando é possível utilizar uma palavra, utilizo-a em todas as suas acepções possíveis. Então o badyo com y pode significar badyo yo, eu badio, utilizando a terminologia espanhola que tem também muita influência na nossa língua crioula. Aliás Cimboa é um dos termos que nós herdamos do espanhol antigo, azamboa. Mas também, se utilizares o y como dj pode-se ler badjo. Eu creio que as músicas de Cabo Verde são indissociáveis do corpo, do baile sobretudo. O batuque, a tabanka, o funaná, a coladeira, colá, colecho surgiram como manifestações corporais. Então para mim, badio, a sua música e o badjo são indissociáveis. Por isso o meu disco é muito rítmico e quente, exactamente porque a tradição e o percurso do badio leva a isso.

Expr.d.i. - Logo depois da Praia e Mindelo o teu disco será lançado em nada menos que 20 cidades alemães. Porquê essa preferência germánica?
ML - A Áustria e a Alemanha são países que sempre demonstraram grande interesse por uma certa música de Cabo Verde. Desde logo porque têm uma exigência de escuta muito alta e então quando querem apostam muito forte. Há uma identificação com a minha música e, do que eu tenho percebido, gostam de músicas com uma certa cadência e um certo swing, mas também com uma certa elaboração harmónica. Têm dificuldade em captar a repetitividade que não está na cultura deles. Essa digressão pela Alemanha já estava preparada desde o ano passado. Agora, estamos a aproveitar para fazer conjuntamente a promoção do disco.

Expr.d.i. - O CD foi gravado no Estúdio " Nas Nuvens". De que estúdio se trata?
ML - É um pequeno laboratório de trabalho que eu tenho em casa, porque eu ando a compor para cinema, para teatro, para a dança com o Raiz di Polon e isto exigia-me ter um espaço de trabalho.
" O maior legado do Simentera foi a onda de música acústica que hoje invade a produção da música cabo-verdiana" Substitui o gabinete de advocacia por um estúdio. Pus o nome "Nas Nuvens" porque fica ali no alto na minha casa e sempre reflecte nuvens na janela. Foi aqui que eu fiz toda a base da gravação, das guitarras às vozes, o piano, a percussão; tudo foi feito cá. Em Paris só gravei o balafon, o bandonéon e o contrabaixo.
Expr.d.i. - Foste fundador e líder do grupo Simentera que marcou a viragem da música cabo-verdiana para o acústico. Como surgiu o projecto, que marcos deixaram, e porque terminou?ML - A minha ideia inicial era criar um grupo coral, porque tenho uma paixão forte pelo canto. Fomos introduzindo instrumentos e aí surgiu o Simentera. O nosso propósito era trazer a música acústica, pois na altura os instrumentos eléctricos é que dominavam. Nós quisemos dar um sopro novo, em termos de concepções e arranjos. E conseguimos isso pelo mundo. Acho que o maior legado do Simentera foi a onda da música acústica que hoje em dia invade a produção da música cabo-verdiana. O Simentera parou. Na verdade, quando pedi para sair, era porque queria fazer outras coisas. Deixei o grupo, digamos, em pé e solicitei que continuassem sem mim. Mas aí, sobretudo a nível internacional, os promoters recusaram a continuar a promover o Simentera sem a minha presença. E o Simentera sem as tournées internacionais significaria uma queda muito forte; assim o grupo decidiu parar. Mas somos muito amigos uns dos outros, encontramo-nos com frequência e há uma enorme vontade de voltarmos a tocar juntos. Então, digamos que o meu sonho é, de aqui a não muito longe, solicitar a todos os membros do Simentera que voltemos. Até porque vamos regressar sem aquela carga que nós tínhamos de produção de referência. Agora vamos tocar por prazer, reunimo-nos de tempos em tempos, fazemos uma tournée e tocamos juntos até como forma de revivalismo. Essa vontade existe.

Expr.d.i. - Qual é o prazo de validade para um grupo musical, cinco, dez anos?
ML - Eu nestas coisas de tempo, talvez para o meu próprio consolo, costumo pensar que aqueles queainda cá estão é porque ainda não cumpriram o ofício da vida. Pode ser um castigo ou talvez um prémio.
" Ainda não cumpri o meu ofício"
Mas eu acho que aqueles que já partiram é porque se deu por cumprido aquilo que eles vieram cá fazer. Sinto uma certa pena, porque quer dizer que ainda não cumpri o meu ofício, mas também dá-me um certo conforto, porque ainda tenho que trabalhar e trabalhar muito para poder dizer ‘vim cá e já fiz a minha parte'. Com os grupos musicais é exactamente o mesmo: um grupo deve existir até sentir que cumpriu o seu papel; e continuar, porque se os Rolling Stones ainda continuam é porque, de tudo o que já deram, ainda continuam a dar. Mas eu acho que o Simentera já tinha chegado a um ponto de criatividade máxima, como também acontece com vários artistas em toda a parte. Portanto esse tempo de duração depende da pulsação e dos ideais de cada um: sentir num determinado momento de parar ou de continuar depende muito dos objectivos que cada um tem.

Expr.d.i. - Mesmo existindo o risco de muitos artistas não se darem conta de que o momento de parar chegou?
ML - Dou-te toda a razão, porque os artistas, em geral, não gostam de aceitar que o seu tempo já terminou. É que o artista vive para fazer feliz às outras pessoas. Então, normalmente há um choque quando um artista está em alta, já fez sucesso, e surge uma nova geração. Custa-lhe aceitar que o público quer um novo som. Isto acontece muitas vezes, e recusam-se a se retirar ou então mesmo de acompanhar a nova onda. Há isso, e em Cabo Verde é frequente o choque de gerações e de talentos, exactamente porque há uma certa tacanhez em aceitar que os outros ocupem o espaço que anteriormente era nosso, ou supostamente nosso. Tudo é transitório, essa deve ser a postura de base. E é bom que surjam novos talentos, até para insuflar-nos novas energias. A nossa missão deve ser estimular esses novos talentos. Mas o engraçado é que só o talento é capaz de admirar o talento. Daí que quando já não se tem o talento, também despreza-se o talento, tenta-se excluir e esmagar o talento.

Expr.d.i. - Se o grande legado do Simentera foi a onda de música acústica que suscitou nas produções cabo-verdianas, não podemos esquecer que foi também o grupo que provavelmente foi mais fundo no nosso baú, ressuscitando temas já esquecidos como Tchapeu di Padja e outros. Que comentário?
ML - Eu lembro-me que o primeiríssimo tema que o Simentera fez arranjo foi Guentis d'Azagu do Zezé di nha Reinalda. Depois gravamos Tchapeu di Padja, Caminhu di Mar, Febri Funaná, Fomi 47, etc. Porque os objectivos que eu propus ao grupo era que nós temos uma responsabilidade no cancioneiro nacional; e se pegares em músicas belíssimas e fazeres novos arranjos, estás a entregar um testemunho à nova geração, para ela conhecer o que é se que fez no passado. Para não se cair na tentativa de descobrir a pólvora cada semana. Então um dos meus objectivos era pegar em temas tradicionais, mas de grande qualidade, e fazer com que a juventude se interesse por eles. Muita gente que se encontra comigo na rua diz-me ‘oi Tchapeu di Padja' pensando que a música é minha. A música não é minha, é de Jorge Pedro Barbosa, nós apenas fizemos uma, digamos assim, contemporaneização da música. É um objectivo que eu prossigo no meu disco Ao Vivo e aos Outros e tenho o plano de trazer mais música antiga, porque senão há o perigo de as músicas caírem no esquecimento e de há medida que nós avançamos, estarmos ao mesmo tempo dando um passo atrás porque vamos perdendo o acervo do cancioneiro tradicional.

Expr.d.i. - De facto em Guentis d'Azagu de Zezé di nha Reinalda, o grande sucesso do Simentera, quase tudo bateu certo...
M.L- Bateu tudo certo porque é uma música que eu adoro. Tenho uma grande paixão por essa música.
"Guentis d'Azagua afastou-me e aproximou-me do Zezé di nha Reinalda"
Devo dizer, pela primeira vez em público, que essa música afastou-me e aproximou do Zezé di nha Reinalda. Na realidade há erros de letra nesta música que eu assumo inteiramente, por eu ter feito o Simentera gravar a música sem pedir ao Zezé a letra original, fui pelo ouvido e enganei-me nalgumas palavras. Só que a minha admiração pelo Zezé ultrapassa esses pequenos conflitos. Eu tenho uma enorme admiração por ele, como pessoa e como artista, como acontece hoje, é um grande amigo meu, e sempre soube que as coisas iriam serenar. Mas o belo nisto tudo, é que foi por causa de uma música dele que eu adoro: o Guentis d'Azugua está, digamos, colado a mim. Canto-a sempre, as pessoas pedem-me que a cante. E há dias cantamos juntos essa música no Hotel-Praia e foi uma beleza: Eu e o Zezé abraçados a cantar Guentis d'Azagua. Digamos que foi um momento da consagração da amizade e do respeito que tenho por ele, e de como deve ser a convivência sã entre os artistas e as pessoas que se admiram. Então o Guentis d'Azagua foi a primeira música que o Simentera gravou e foi lá que nós definimos o conceito estético dos arranjos a virem Devo dizer que o meu trabalho Badyo tem duas fontes de inspiração como referência de outras obras: é o Volta pa Fonti, de Norberto Tavares e Guentis d'Azagua de Zezé di nha Reinalda e também de um outro disco que o Zezé e Zeca gravaram, intitulado ‘N ka por si.
Expr.d.i. - Estiveste à frente de uma orquestra que deu um concerto na noite de 5 de Julho na Praia celebrativo do trigésimo aniversário da independência nacional. O preço do espectáculo, avaliado em milhares de contos, valeu-te duras críticas de alguns colegas, cujos argumentos foram publicadas nas páginas deste jornal. Que comentário?ML - Eu soube. Mas não guardo ressentimentos. Entretanto com o Trigésimo Aniversário (Julho de 2005) aconteceu o seguinte: Apresentei o projecto cujo avaliação do montante já não me lembro. Em todo o caso, nesse projecto participaram 131 pessoas. A organização do evento nessa altura disse-me que só tinha 6 mil contos. Eu disse muito bem, faremos com esses 6 mil contos. Criei uma equipa que foi às casas comerciais, aos hotéis, aos restaurantes, revolveu mundos e fundos para conseguir meios adicionais. Porque acreditava que era a minha forma de contribuir. Isto é, investimos os nossos próprios meios nesse evento. Até amigos meus alojaram artistas e deram-lhes de comer em casa deles, na Praia, Cidade Velha, Tarrafal. Por partes: eu não geri o dinheiro, porque havia uma equipa a trabalhar nisso. A minha preocupação era que fôssemos capazes de realizar aquilo que eu propunha artisticamente com os meios que tínhamos. Pagaram a todo o mundo: há aqueles que receberam muito pouco, como os músicos da orquestra; alguns não receberam porque eram funcionários, os outros que nós achamos que podiam precisar, foram-lhes atribuído uma quantia, mas em combinação prévia com eles, porque não havia meios. Imagina o que é ter 131 pessoas e foi com os nossos meios que nós fizemos deslocar essas pessoas das outras ilhas e com o apoio das Câmaras municipais; foi com esse dinheiro que todo o mundo foi alojado nos hotéis cá na Praia e foi com esse dinheiro que todo o mundo se alimentou; foi com esse dinheiro que todo o mundo foi transportado internamente; foi com esse dinheiro que todo o mundo recebeu um argent de poche, alguns receberam algum cachet, etc. Não era só para a orquestra, mas para o concerto todo: tinha Vasco Martins. Codé di Dona, a minha banda, a Orquestra Nacional de Cordas, as Batucadeiras de Monteagarro, Tabanka de Tchada Grandi, Nácia Gomi, Raiz di Polon, Batucada de Mick Lima, e uma equipa de produtores e colaboradores. Ainda, o som, a iluminação, o palco, os técnicos internacionais. Vou-te dizer uma coisa: de toda a história da minha vida, podes pesquisar, não vais encontrar que alguma vez o Governo deu-me dinheiro algum, a não ser as bolsas de estudo. Nunca pedi sequer, para mim. Nunca fui patrocinado nem esponsorizado por nenhum Governo. Vou dizer-te o caso: quando o Simentera ia para Sevilha, em 1992, o Simentera não tinha instrumentos. E foi o Pepey Bettencourt que foi solicitar ao então Ministro das Finanças, Gualberto do Rosário, e este deu um apoio enorme ao Simentera. Patrocinou-nos num montante modesto, mas com esse montante nós adquirimos todos os instrumentos do Simentera que hoje ainda existem. Mais tarde, já na minha carreira a solo, eu tinha um concerto não me lembro já aonde e pedi ao ministério da Cultura um apoio. O ministério da Cultura patrocinou-me em 80 contos. Numa outra altura, no Memorial Amílcar Cabral (na Praia) fiz um concerto com o Raiz di Polon e muitos outros artistas. A Presidência da República patrocinou esse concerto com 80 contos. Foram para os músicos, a produção, os transportes, e outras coisas. Mas já pedi muito para projectos colectivos, para beneficiar outras pessoas, porque acredito em ideias.

Expr.d.i. - Porquê é que alguns dos seus colegas reagiram da forma como reagiram?
ML - Eu não sei, aliás, nem acho que foram meus colegas, mas antes meus detractores. De certeza não o fizeram com a intenção de me ajudar. Teve muito a ver com a política. Como tinha a ver com a política, o próprio jornal Expresso das ilhas deu grande cobertura a essa destruição da obra e da minha pessoa evidentemente. Há uma coisa que eu aceito: a opinião alheia, perfeitamente. Todas as opiniões são importantes, por isso é que nunca tive a tentação de retaliar. Agora, como a opinião das pessoas é importante, ela deve portanto ser equânime, justa, fundamentada, é preciso medir as palavras e evitar magoar as pessoas. Nesse caso foram opiniões baseadas em dados falsos, porque falaram em 11 mil contos, em 13 mil, e não tinham dados...Podiam criticar-me pela obra, que não atingiu todas as expectativas, porque na arte há dias bons e há dias maus, criticar o Governo pela política, mas tinham o dever de esclarecer as pessoas de um modo didáctico. E espero que façam de forma generosa isso com o disco "Badyo"

Expr.d.i. - O Expresso das ilhas limitou-se a transportar o que os teus críticos disseram...
ML - É evidente. Eu acho que o papel do jornal é esse, e aplaudo. Há uma vantagem: sou muito tolerante com a opinião alheia. Daí que aceitei com toda a tranquilidade a opinião dos outros. Quando era exagerado e entrava em questões pessoais, simplesmente para destruir a minha obra, o evento, eu não ligava porque pensava que o problema estava nas pessoas, pois tratava-se da cólera, do ódio. As pessoas têm infelicidades, têm insatisfação e descarregam quando têm uma oportunidade. Eu trabalho, disciplino o meu espírito para me manter sereno, porque essas coisas são passageiras. Acredito é na obra boa, e sempre me desculpei nestas circunstâncias, quando faço as coisas de boa-fé. Aí então fico absolutamente tranquilo. Mas é muito bom que me colocas essa questão, porque ficou em aberto, porque eu nunca quis responder, nem entrar em detalhes. Não acho que devemos digladiar-nos só porque nos discordamos.

Expr.d.i - Então pergunto: voltavas a estar à frente de um mega projecto como o concerto do 30º aniversário, apesar das duras críticas?
ML - Olha, é evidente que se eu fosse homem com vocação de desistência, já não estava cá. E vai-se ganhando lutas, pouco a pouco. Eu considero-me uma pessoa generosa, e as pessoas que têm caminhado comigo, mormente os meus amigos, sabem que eu nunca ganhei um centavo com esse projecto, nem com qualquer outro. Pelo contrário: muitas vezes, como no Fesquintal de Jazz fiquei sem dinheiro das poupanças que eu tinha. Houve um momento em que O Festival quase parou, tínhamos uma dívida de 2.500 contos. Foi um amigo meu que nos salvou, a quem devo até hoje. Mas também ainda acredito na Feira Mundial da Música (Praia, Novembro de 2008) porque creio em ideias que possam realmente trazer a este país a capacidade e a competitividade no âmbito mundial da música.
" Tirei lições do projecto Trigésimo Aniversário"
Eu estaria sempre disposto a liderar qualquer mega ou pequeno projecto que as entidades do meu país entendessem convidar-me. Repara: eu fiz o projecto musical para a Expo Sevilha 92, quando o ministro era Leão Lopes. Depois fiz todo o projecto musical para Lisboa 98, quando o ministro da Cultura era António Jorge Delgado. Portanto eu nunca politizei a cultura, e nem faço isso. O facto das pessoas terem as suas convicções é uma coisa boa, para poder haver alternância. Mas a cultura é partido de todos os cabo-verdianos. E é nesse partido que eu voto e é nele que eu confio, acredito e tenho fé. É por ele que eu vivo, porque foi esse partido que me criou, a cultura. Estou disposto a assumir responsabilidades, menos cargos políticos, mas projectos musicais perfeitamente, e pronto a receber críticas. Há uma diferença entre um homem bom e um homem mau. O homem bom é aquele que ouve as críticas e aproveita a crítica para se melhorar. O homem mau é aquele que não aceita críticas e quando é criticado é capaz de reagir ainda com mais violência. Eu sempre oiço, e da crítica tiro sempre algo positivo. E desse projecto do Trigésimo Aniversário também tirei as minhas lições. E se hoje sou melhor, devo esse mérito aos meus inimigos.



Expresso das Ilhas